Entenda a polêmica sobre a possível suspensão das aulas noturnas em CFCs
Em 17 de março de 2010 foi publicada a Lei 12.217 que alterava o Código de Trânsito Brasileiro para tornar obrigatória a aprendizagem noturna. O texto da Lei atribuiu ao Conselho Nacional de Trânsito (Contran) a responsabilidade para definir a carga horária correspondente. Em maio do mesmo ano, precisamente no dia 12, o Contran publicou a Res.347/10 definindo que 20% das aulas práticas de direção veicular fossem realizadas no período noturno.
A lei entrou em vigor em 17 de maio de 2010 (60 dias após a sua publicação) e desde lá esbarra numa questão grave de segurança pública, que, segundo depoimentos, torna cada dia mais difícil a tarefa de concluir as aulas noturnas num curso de primeira habilitação.
Em alguns estados, mais que outros, a violência urbana tornou-se um obstáculo quase insuperável para diversos instrutores que são obrigados a dar aulas nesse período.
O caso mais emblemático é no Rio de Janeiro. Os instrutores do estado puxam esse movimento contra as aulas noturnas desde 2011. De acordo com Adalto Medeiros, vice-presidente da Federação Nacional dos Instrutores de Trânsito e dos trabalhadores em CFCs (FENAINST), a luta começou com o apoio Deputado Federal Vicentinho, de São Paulo, que na ocasião criou o PL 2056/11 que tramitou, mas foi arquivado. “Na época, só nos restou cumprir a Lei 12.217/2010”, explica Medeiros.
Com o passar dos anos, porém, a situação foi se agravando. Segundo Medeiros, agora chegou ao limite máximo. “Em São Gonçalo, em uma área de treinamento e exame chamada de piscinão, aconteceram dois arrastões e na semana seguinte a tentativa de mais um, isso causou sérios prejuízos aos instrutores, alunos e até aos empresários, sem contar o sério risco físico a todos”, conta.
Por intermédio dos instrutores desta área iniciou-se o movimento, que hoje é nacional. “Com a liderança do instrutor Eduardo Reis, as reivindicações foram crescendo e o apoio também, divulgamos o caso e o movimento ganhou o país inteiro, pois os problemas do Rio estão em todos os estados”, diz Medeiros.
Carla Clara,diretora da Autoescola Siga-me do Rio de Janeiro, conta que um de seus instrutores já sofreu com a violência. “Nosso instrutor estava dando aula ano passado à noite e foi assaltado com a aluna. Levaram os celulares deles e o nosso carro. Sorte que nosso carro é rastreado, então a policia encontrou. Ninguém ficou ferido”,conta.
Durante a audiência pública, sensível às demandas dos alunos e instrutores das autoescolas, o presidente do Departamento Estadual de Trânsito do Rio de Janeiro (Detran/RJ), Leonardo Jacob, solicitou ao Denatran que fossem suspensas as aulas noturnas até o dia 31 de dezembro de 2018.
“O Detran, junto a Alerj, está elaborando uma nota técnica que será encaminhada ao diretor do Denatran, Mauricio Alves, que compreendeu o apelo e encaminhará a solicitação do departamento estadual à Casa Civil da Presidência da República em caráter emergencial para que, através de Medida Provisória, seja revisto o Código de Trânsito Brasileiro e então publicado a alteração em Diário Oficial”, diz a nota do Detran/RJ.
Ainda de acordo com o órgão, vale lembrar que há cerca de um mês o Detran/RJ já havia reduzido o número das aulas noturnas de quatro para uma, podendo as outras três serem realizadas no simulador.
Para Medeiros, entretanto, as reivindicações deverão ser estendidas à Comissão de Viação e Transportes da Câmara Federal, onde será solicitada a revogação da Lei 12.217/10. “Nosso objetivo não é acabar com as aulas noturnas, queremos que sejam facultativas, podendo dá-las quem tiver plenas condições”, esclarece.
Até a publicação em Diário Oficial dessa medida, tudo continua como está em todos os estados brasileiros.
Aulas em simulador
“Não concordamos com a possibilidade das aulas noturnas serem ministradas no simulador, inclusive como o próprio nome diz simulador é para simular. Para que simular, se temos os treinamento diretos no trânsito?”,questiona Medeiros.
A importância das aulas noturnas
Apesar dessa movimentação para suspensão das aulas noturnas, muitos profissionais ainda consideram essa parte como essencial ao processo de formação de condutores.
Fabrício Medeiros, que é instrutor de trânsito com vasta experiência na área, defende a prática noturna e afirma que tudo que possa aumentar as experiências dos candidatos à habilitação é válido.
“Como a visão à noite é de 1/6 em relação ao dia, cria-se uma percepção melhor no aluno. Deixar de realizar o treinamento após escurecer, fará com que o motorista descubra por si quais as reais dificuldades, sem orientação imediata”, explica o instrutor.
Para Fabrício, é um momento difícil de segurança pública e é compreensível que em alguns lugares as aulas não ocorram. “A falta de aula noturna será prejudicial, pois os alunos relatam que sentem enorme diferença no ambiente. Talvez tirar a obrigatoriedade não seja a melhor solução, já que poderia haver um esquema de segurança montado para dar suporte às aulas em locais específicos. Devemos lembrar que qualquer esforço financeiro para o bom treinamento dos futuros motoristas é um investimento”.
“É a oportunidade de o aluno ter orientações práticas do que aprendeu nas aulas teóricas: evitar olhar diretamente para o farol do outro carro para evitar o ofuscamento, como olhar nos retrovisores com a luz do farol dos outros carros sem atrapalhar a manobra, verificar o comportamento e as práticas dos pedestres quanto às roupas escuras à noite, dentre outros aspectos”, argumenta.
De acordo com a especialista, aprender a dirigir de noite e de dia é totalmente diferente: a falta de luminosidade natural faz o aluno reconhecer que os perigos de dirigir à noite podem ser maiores e exigem mais cautela e atenção. “À noite e com chuva ou garoa fina as gotículas de água que ficam nos vidros refletem a luminosidade das lâmpadas dos postes, do farol dos carros no sentido contrário, reforça para a atenção de veículos de cor escura sem farol, com farol queimado,dentre outros riscos. Muitos recém-habilitados fazem viagens noturnas só com as orientações que tiveram sobre dirigir durante o dia em cenários bem diferentes. Essa é uma dose de realidade que o simulador, por melhor que seja, não proporciona”, explica.
Márcia diz ainda que com o fim das aulas noturnas haverá menor risco de ocorrência de assaltos. Por outro lado, dirigir à noite será sempre teoria para os recém-habilitados, pois não tiveram contato com a direção noturna e seus cuidados que são sempre maiores do que os da direção durante o dia. “O candidato não terá contato com uma das condições adversas mais importantes: a falta de luz natural; não reconhecerá os perigos que exigem mais cautela e atenção”, conclui.
Fonte: Portal do Trânsito